Este livro que você tem agora em mãos é um ato de amor pela vida, por sua diversidade e riqueza, pelo respeito ao meio que nos atravessa e pelo reconhecimento de que só em harmonia com este centro, encontraremos a vida plena. E isto inclui não só a natureza, como também as histórias, os saberes e aquilo que identificamos como mágico, por falta de um termo mais próximo e por ainda não nos conectarmos diretamente com ele. 

Se a natureza, em cada um de seus reinos por nós conhecidos, expressa esta multiplicidade, como não celebrar esta mesma diferenciação na humanidade? As variadas formas de diálogos com a  vida, das relações sociais; as diferentes percepções dos ciclos, as inúmeras maneiras de se abordar aquilo que é transcendente? 

A nossa cultura ocidental, centrada na racionalidade e na ciência aplicada à tecnologia, reconhece  apenas uma pequena parte de todo este jogo cósmico. O desequilíbrio que esta percepção tão limitada e “orgulhosa” nos causou está mais que evidenciada nestes dias de pandemia, de desigualdades sociais e de ameaças climáticas.  

Temos porém “portas” de acesso a este universo, que nossa mente distraída em atividades e preocupações cotidianas não percebe. Adormecidos em nossos “afazeres” não nos damos conta do potencial de maravilhas que a vida nos oferece. 

E a música é sem duvida um campo de possibilidades infinito, capaz de nos colocar em contato com as nossas mais ricas reservas e recursos. 

A forma, porém, como a abordamos em nossos tempos, segue a mesma visão utilitarista e econômica que dedicamos aos outros setores do conhecimento. 

Ocorre-me que assim como pautamos a nossa alimentação pela aquisição de produtos no supermercado, sem saber de sua origem, processos de fabricação etc, desconhecendo toda a cadeia de eventos como o plantar, colher, observar o céu, abençoar a chuva e compreender a renovação, os ciclos, o encantamento que envolve todas estas atividades, desta mesma forma, adquirimos um conhecimento técnico da criação e execução  musical – e cremos que com estas ferramentas estamos completamente capacitados a exercer nosso ofício, o que não é verdade. Falta toda uma percepção das outras instâncias da vida, que é o tema central deste livro. 

Uma sociedade que necessita de “estratégias” para o reconhecimento das artes – como “economia criativa” ou apoio a situações de “bem estar” – está diante de um impasse ou de uma crise de civilização. 

É fundamental reconhecermos que a arte tem valor intrínseco, por si mesma. Um imenso valor. Não é algo individual. Não é para exaltar o nosso ego. 

É algo coletivo. Pertencente a todos. A ser compartilhado e celebrado.

O que a leitura de “Som Protagonista” nos propõe é acessar todas essas outras instâncias que a música nos proporciona, abrindo-nos para a intensa experiência de estarmos vivos e conectados com as infinitas possibilidades deste cosmos. Algo que nos torna mais universais e ao mesmo tempo mais profundamente humanos. 

Cada cultura aqui retratada tem uma valiosa relação com a música e a vida. Servem-nos de guia para recuperarmos esta conexão – que muitos de nós, criadores, intuímos. 

As composições musicais de Camila, nascidas deste processo e que acompanham esta publicação, são belezas complementares e ampliadoras desta experiência. E particularmente para mim, uma surpresa feliz.

Saber a própria canção, como é relatado nas experiências de Akin, da África, é muitas vezes algo essencial à sobrevivência individual e coletiva. Tem de certa forma, o seu paralelismo na nomeação – como um som do espírito nas culturas indígenas do Brasil aqui retratadas. 

Descobrir e conectar-se a sua própria sonoridade é uma lição e um convite que todas estas histórias nos fazem. Aprender a escutar: ao universo e a si mesmo.  O silêncio e cada som que habitam o mundo. E que nos habitam.

Creio que todo grande músico, de qualquer sociedade e tempo, compreendeu e viveu estas outras realidades, complementares e fundamentais. Conta-se que Beethoven, convidado a inscrever-se no curso de filosofia que se inaugurava na Universidade de  Viena, assistiu a algumas aulas e se retirou, dizendo que todos as assuntos ali tratados, ele os encontrava na música. 

Espero que a leitura deste importante texto possa despertar em cada um o mesmo sentimento de encanto e maravilhamento que cada habitante das culturas aqui retratadas vivenciou ao escutar com a devida atenção a música do universo e a sua “própria” – que, no final da jornada,  são a mesma. 

Benjamim Taubkin
Músico apaixonado pelos encontros entre diferentes vertentes e tradições. 
Vem dialogando com a música tradicional brasileira e do mundo em lugares como a Coréia, Índia, África do Sul, Marrocos, América Latina, em linguagens que vão da tradição ao hip-hop, e do solo à orquestra sinfônica.

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